Cartilage Hair Hypoplasia / condroplasia metafisiária do tipo McKusick

A Cartilage Hair Hypoplasia, mais conhecida por CHH (ou também por Síndrome de McKusick ou condroplasia metafisiária do tipo McKusick), é uma displasia óssea – uma doença do crescimento ósseo – caracterizada por baixa estatura, cabelo fino e em pouca abundância, variados graus de imunodeficiência, anemia e problemas gastrointestinais.

Mas nem sempre. As pessoas com CHH, enquanto grupo, apresentam uma grande variabilidade. Existe um grupo de pessoas com CHH, no qual me incluo, que não apresenta estas manifestações extra-esqueléticas, ou seja, para além da baixa estatura e das características esqueléticas mais à frente descritas, não tem cabelo claro e fino, anemia e imunodeficiência.

A CHH é causada por mutações no gene RMRP (Ribonuclease Mitochondrial RNA-Processing). Cada um de nós recebe uma cópia deste gene, uma da nossa mãe e outra do nosso pai. Os pais de uma pessoa com CHH transportam uma cópia do gene afectado, contudo não apresentam necessariamente os sintomas da condição. A CHH é uma condição autossómica recessiva, o que significa que a pessoa afectada pela CHH recebeu duas cópias do gene com a mutação, uma de cada progenitor. Uma pessoa com apenas uma cópia desta mutação não será, habitualmente, afectada pela doença, mas transportará o gene afectado.

No padrão de herança genética recessiva, como é o caso da CHH, ambos os progenitores – quando não são afectados pela CHH – transportam o gene com a mutação, e a probabilidade de terem filhos com a mesma condição será de 1 em 4, ou seja 25 % de probabilidade.

No caso de um dos progenitores ter CHH e o outro não (nem transportar o gene com a mutação), a probabilidade de ter filhos com a mesma condição é quase nula.

Porém, se um progenitor tiver CHH e outro não, mas este transportar o gene com a mutação, então a probabilidade de ter filhos com CHH é de 50%.

Por fim, se duas pessoas com CHH tiverem filhos, estes serão sempre afectados, ou seja, manifestarão sempre a condição.

No entanto, como CHH é uma doença muito rara, a probabilidade de encontrar outra pessoa com a mutação no gene RMRP é extremamente baixa. Esta probabilidade aumentará se duas pessoas partilharem laços consanguíneos. O diagnóstico e aconselhamento genético são importantes se esta última situação se verificar.

 

Epidemiologia

A CHH é uma doença rara na população geral, que afecta da mesma forma homens e mulheres e que tem a sua maior prevalência nas populações Finlandesa (aproximadamente 1 em cada 23 000 nascimentos) e nos Old Order Amish.

Os Old Order Amish são um dos segmentos mais conservadores da população Amish, que se distingue dos restantes pela sua resistência em aderir às mudanças sociais: levam um estilo de vida estritamente rural, não usam viaturas automóveis e o seu vestuário é inspirado nos trajes utilizados pelos colonos europeus do séc. XVIII. O facto de a prevalência de CHH ser maior nestas populações explica-se pelo elevado número de casamentos consanguíneos.

Apesar de ter sido primeiramente detectada na população Amish residente nos Estados Unidos e no Canadá, e de ter a sua maior prevalência na Finlândia, há pessoas com CHH de muitas outras nacionalidades.

 

CARACTERÍSTICAS ESQUELÉTICAS E EXTRA-ESQUELÉTICAS

Baixa estatura e problemas ósseos

– As pessoas com CHH têm habitualmente baixa estatura; os ossos longos dos braços e das pernas crescem muito mais devagar do que o habitual. Eu tenho actualmente 135 cm, mas por ter feito uma intervenção de alongamento ósseo aos 13 anos (intervenção essa que foi acompanhada pela correcção do genu varum nas tíbias). Não sei quanto mediria se não o tivesse feito, mas posso dizer-vos que com 13 anos, antes da operação, media 128 cm.

– As pessoas com CHH têm tipicamente malformações nas metáfises (a parte do osso onde ocorre o crescimento e que se situa entre a diáfise – parte média do osso – e as epífises – extremidades do osso) o que afecta o desenvolvimento ósseo. Chama-se a isto condroplasia metafisiária.

– As pessoas com CHH podem ter genu varum, isto é, os membros inferiores podem apresentar arqueamento, o que também é característico noutras displasias ósseas. Este arqueamento pode ser corrigido com cirurgia.

– As pessoas com CHH podem apresentar uma invulgar hipermobilidade articulatória – os ligamentos das mãos, dos pulsos e dos pés são muito mais flexíveis. Apesar desta hipermobilidade articulatória, é comum que as pessoas com CHH não consigam estender completamente a articulação do cotovelo – tal como no meu caso – dando a parecer que o cotovelo tem um abaulamento.

– É aconselhável a prática de exercício físico, desde que não se exerça uma sobrecarga nas articulações. A natação, por exemplo, é um bom desporto para fortalecer o tónus muscular e proteger as articulações dessa hipermobilidade característica de CHH.

– É comum as pessoas com CHH terem lordose e escoliose.

Cabelo fino e em pouca abundância

– As pessoas com CHH podem ter cabelo mais claro do que outros membros da família e, habitualmente, o cabelo é muito fino e em pouca abundância (característica designada por hipotricose). Para além do cabelo, também se encontra informação sobre a possibilidade de as sobrancelhas e as pestanas das pessoas com CHH serem igualmente finas e claras.

Imunodeficiência e anemia

– A medida em que o sistema imunitário das pessoas com CHH se encontra comprometido irá variar. As pessoas com problemas imunitários mais graves têm aquilo a que se designa severe combined immunodeficiency – SCID, e são muito susceptíveis a infecções persistentes e recorrentes.

Há estudos que indicam que a varicela pode causar graves infecções nas pessoas com CHH. Nessa medida, as crianças com CHH devem ser avaliadas por um imunologista antes de serem imunizadas com as vacinas habituais, nomeadamente a da varicela.

– Em alguns casos, o transplante de medula óssea é realizado para tratar casos de grave imunodeficiência. Isto não tem qualquer efeito no crescimento ósseo típico de CHH, ou seja, não trata a displasia óssea.

– Existem outros tipos de CHH que não têm imunodeficiência associada, como no meu caso. No entanto, tem-se verificado ser comum para as pessoas com CHH, mesmo aquelas com uma deficiência imunitária apenas ligeira, ter infecções do sistema respiratório, ouvidos e seios perinasais.

 – Há indicação de que as pessoas com CHH podem estar em maior risco de desenvolver cancro, particularmente carcinomas (cancro da pele) leucemia (medula óssea) e linfomas (com origem no sistema linfático). Isto é mais provável de ocorrer no grupo de pessoas com imunodeficiência associada.

– Embora se espere que uma pessoa com um sistema imunitário intacto consiga combater as células cancerígenas enquanto alguém com um sistema imunitário comprometido não o consiga fazer, há que ser cauteloso ao dizer que esta forma de CHH – a forma sem manifestações extra-esqueléticas – não apresenta um risco aumentado de desenvolver cancro, porque não há como estar certo disto.

Isto é, de acordo com os clínicos não se espera que apenas por haver uma mutação no gene RMRP o risco de cancro para este grupo (sem manifestações extra-esqueléticas) seja muito mais elevado do que aquele que é expectável para a população em geral, contudo não é possível dizer com rigor qual é o risco exacto desta ocorrência, uma vez que ainda não existe um estudo longitudinal realizado com adultos com CHH. Isto deve-se ao facto de a maioria das pessoas afectadas na Europa ter recebido o diagnóstico no início deste século e, portanto, só o tempo poderá dizer mais sobre a sua história e desenvolvimento.

– Dito isto, é fundamental que a pessoa com CHH seja acompanhada por uma equipa médica multidisciplinar, que recomendará a frequência com que devem ser feitas as necessárias análises para avaliar a função imunitária. Contudo, é sempre importante consultar um médico caso haja febre que dure mais do que uma semana, perda de peso sem explicação aparente ou nódulos linfáticos.

 

Problemas Gastrointestinais

As pessoas com CHH podem ter problemas gastrointestinais. Estes problemas podem incluir uma diminuída capacidade para absorver adequadamente os nutrientes ou uma intolerância ao glúten (doença celíaca). As pessoas com CHH podem também ter a Doença de Hirschsprung, uma doença gastrointestinal que provoca obstipação intestinal e inchaço do cólon.

 

Desenvolvimento cognitivo

– O desenvolvimento cognitivo das pessoas com CHH, assim como a sua inteligência, estão dentro da norma; não há qualquer razão genética para que a CHH afecte o desenvolvimento cognitivo. A manifestação de alguma dificuldade no desenvolvimento de marcadores importantes não parece resultar de CHH. No caso de estas dificuldades surgirem, o pediatra da criança deve ser consultado para que a devida avaliação e intervenção seja realizada, ou se necessário fazer referenciamento para outra especialidade.

 

DIAGNÓSTICO

Diagnóstico radiológico e genético

O diagnóstico é realizado através de uma profunda avaliação clínica, com base na recolha da história clínica detalhada, na identificação de características radiológicas e em análises genéticas e moleculares.

Para além das mutações no gene RMRP, Bonafé et al. (2002) sugerem que é possível que o diagnóstico de CHH possa ser sinalizado pelas epífises (a cartilagem epifisária é aquela que promove o crescimento durante a infância e a adolescência) em forma de cone nas falanges das mãos.

As crianças diagnosticadas com CHH devem ainda receber uma avaliação imunológica completa para determinar a presença de imunodeficiência.

 

Muitos avanços foram feitos e hoje em dia já é possível fazer o diagnóstico in utero, através da amniocentese e da CVS (Colheita de Vilosidades Coriónicas), métodos utilizados no caso de haver maior probabilidade de a criança ser afectada pela CHH, por exemplo se houver outro irmão com a mesma condição.

A CHH também pode ser diagnosticada antes do nascimento através de um exame ecográfico: os bebés com CHH têm um encurtamento e abaulamento do fémur, o que pode ser observável, por vezes, na ecografia.   

 

INVESTIGAÇÃO E TRATAMENTO

Investigação

Até agora, as tentativas para gerar um modelo animal da doença (para que possam ser testadas diferentes terapêuticas) não tiveram sucesso. Prevê-se que a investigação em CHH necessite de anos para descobrir o seu mecanismo patogénico e, eventualmente, um tratamento, tal como aconteceu com a Acondroplasia – uma displasia esquelética muito mais frequente do que CHH e para a qual passaram mais de 20 anos entre a identificação do gene responsável pela doença e a descoberta de soluções terapêuticas eficazes.

Tratamento da CHH

Não há actualmente qualquer terapêutica que cure, previna ou reverta a CHH.

Os objectivos do tratamento passam, por isso, por apoiar o desenvolvimento físico e social, e prevenir e tratar quaisquer complicações de saúde que surjam.

O alongamento ósseo é uma possibilidade e pode significar uma maior capacidade para a pessoa funcionar no dia-a-dia com mais autonomia. A elegibilidade para este tipo de tratamento depende de vários factores, entre eles o tipo de displasia óssea, a idade da criança, a sua altura e os problemas funcionais daí resultantes.

Os custos e benefícios do alongamento devem ser estudados e discutidos abertamente com a criança e os pais. O risco de complicações, a dor associada a estes tratamentos, a duração do processo, a motivação da criança para o fazer e outros factores devem ser abertamente discutidos e avaliados por uma equipa multidisciplinar.

DESAFIO SOCIAL

– Para as crianças com características físicas visivelmente diferentes é possível que a entrada na escola e a socialização apresentem desafios e dificuldades de adaptação. Será importante para os pais sentirem confiança e abertura para debater estas questões com a equipa médica, discuti-las também com a equipa escolar e com as pessoas responsáveis por outros contextos nos quais as crianças estejam envolvidas e, se necessário, procurar aconselhamento junto de um profissional de Psicologia, caso sejam identificadas dificuldades de adaptação.

– Este é dos aspectos mais importantes: os pais, a criança e os médicos são uma equipa; os pais, a criança e a escola são uma equipa; todos têm um projecto em comum: prestar o melhor acompanhamento clínico, apoiar social e emocionalmente a criança ao longo do seu desenvolvimento e promover a autonomia e a resiliência da pessoa com CHH, bem como da sua família.

– E porque as crianças e adultos com CHH têm uma variedade de necessidades, os aspectos emocionais devem também ser tidos em consideração. As equipas multidisciplinares devem igualmente desenvolver esforços no sentido de facilitar o acesso a um/a psicólogo/a que possa apoiar, sempre que necessário e desejado, a criança ou o adulto, bem como a sua família, ao longo do seu desenvolvimento.

PONTOS RELEVANTES

  • CHH é uma condição genética que pode causar baixa estatura, compromisso imunitário e problemas gastrointestinais.
  • As pessoas com CHH têm um desenvolvimento cognitivo dentro da normalidade.
  • As crianças com CHH necessitam de um acompanhamento clínico de proximidade, feito por uma equipa médica multidisciplinar que avalie o seu desenvolvimento ósseo, motor e emocional, assim como qualquer outro aspecto que surja em termos de saúde. Esta equipa deve contar com diferentes especialidades, por exemplo Pediatria, Ortopedia, Genética, Imunoalergologia, Fisiatria, Fisioterapia e Psicologia.
  • É importante a presença de psicólogos nas equipas multidisciplinares. Em Portugal, pelo menos até à data, este acompanhamento é inexistente dentro das equipas multidisciplinares. No entanto, estão a ser desenvolvidos esforços para que também o apoio psicológico, sempre que necessário e desejado, faça parte deste acompanhamento clínico.
  • A possibilidade de desenvolver infecções graves e cancro devem ser consideradas pela equipa médica que acompanha as pessoas com CHH e a função imunitária deve ser vigiada com regularidade.
  • O aconselhamento genético pode ajudar as famílias a compreender o que significa ter CHH, assim como a perceber qual é a probabilidade de outras crianças da prole virem a ser afectadas. Na idade adulta, a pessoa com CHH pode voltar a pedir aconselhamento genético para estudar quais são as probabilidades de ela e do outro progenitor virem a ter filhos com esta condição.
  • Com o devido acompanhamento médico e uma rede de apoio social e emocional, as crianças com CHH têm todo o potencial para viverem com bem-estar, qualidade de vida e desenvolverem projectos de vida que lhes dêem satisfação e realização.
  • É fundamental e premente que se desenvolvam mais estudos para compreender quais são as necessidades das pessoas com displasia óssea e das suas famílias, e que desafios apresentam estas condições nas suas vidas.

Autora do texto:

Lia Silva

Lia 5 anos
Lia com 5 anos

Bibliografia

Bonafé, L., SchmittK, K., Eich, G., Giedion, A., & Superti-Furga, A. (2002). RMRP gene sequence analysis confirms a cartilage-hair hypoplasia variant with only skeletal manifestations and reveals a high density of single-nucleotide polymorphisms. Clinical Genetics, 2(61), 146-51. doi:10.1034/j.1399-0004.2002.610210.x

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